Por Artur Rodrigues e Johann Soares*
Este estudo é o terceiro de uma série do NEOC que busca investigar o mercado de crédito no Brasil e vem como um aprofundamento do texto anterior. Naquela ocasião investigamos a trajetória do endividamento das famílias no país, fornecendo uma ênfase para a proporção causada por crédito habitacional. Agora, o nosso propósito será investigar a composição desse endividamento, principalmente no que tange sua relação com a inadimplência. Qual a relação da dívida das famílias, abordada no texto anterior, com a inadimplência, mencionada no primeiro texto da nossa série? Se o endividamento das famílias aumenta, a inadimplência o segue? Nesse texto iremos investigar mais afundo esses dados referentes ao Brasil nos últimos anos.
Endividamento e inadimplência não é a mesma coisa. Toda inadimplência provêm do endividamento, mas nem todo endividamento se torna inadimplente. Portanto, quando há uma elevação do endividamento das famílias no Brasil (como apontado no texto anterior) devemos ponderar se este endividamento vem ou não acompanhado de inadimplência.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria.
No gráfico acima, podemos perceber que, aproximadamente, até maio de 2012 a elevação do endividamento vinha acompanhada de um aumento na inadimplência, uma configuração positiva para o mercado de crédito das famílias. Porém, a partir desse período, houve uma inflexão nessa relação e a elevação do endividamento passou a ser associada a uma redução da inadimplência. Para medir essas relações e verificar o quão distintas elas são, fizemos um teste de correlação com corte temporal em maio de 2012, em que a hipótese nula é a ausência de correlação entre as duas séries:
Período |
Variável |
Correlação |
P-valor |
2011.03 – 2012.05 |
Endividamento total x Inadimplência |
0,980625
|
0 |
2012.06 – 2015.04 |
Endividamento total x Inadimplência |
-0,95641
|
0 |
De acordo com a tabela apresentada, rejeitamos a hipótese nula em ambos os períodos, significando que há correlação entre as séries. O que salta aos olhos é a disparidade e a magnitude dessas correlações, ou seja, o endividamento das famílias e a inadimplência de pessoas físicas são altamente correlacionadas e os períodos abordados são altamente contrários. Dessa forma, o nosso intuito será investigar as principais causas dessa inflexão e, para tanto, inicialmente, precisamos verificar a composição do endividamento (ou, de uma forma mais apropriada, a composição do pagamento desse endividamento) para saber qual componente está ocupando o lugar da inadimplência a partir de maio de 2012.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria.
A partir do gráfico acima, podemos inferir que a inadimplência está dando lugar à adimplência e não ao atraso. Portanto, algo em nossa conjuntura fez com que as famílias tivessem maiores condições de honrar as suas obrigações com o Sistema Financeiro Nacional dentro do prazo estipulado, a partir dos primeiros meses de 2012.
As principais explicações para essa mudança no mercado de crédito brasileiro são dadas a seguir. A primeira se revela com as características da dívida das famílias e a segunda, com o mercado de trabalho. Neste presente estudo, verificaremos exclusivamente a causa que se refere às características da dívida das famílias, em um estudo posterior verificaremos exclusivamente a relação entre o mercado de trabalho e a inadimplência no Brasil.
O período da inflexão aqui estudada (aproximadamente maio de 2012) foi também, como apontado em nosso texto anterior, quando se deu uma mudança nos motivos de endividamento de nossas famílias. Naquele período, o endividamento com crédito habitacional começou a tomar uma proporção muito maior e acelerada do endividamento total, enquanto os demais tópicos reduziam gradualmente. Essa transformação causou uma mudança drástica na composição da dívida das famílias e, como pudemos avaliar, foi determinante na redução da inadimplência para pessoas físicas.
A dívida com crédito habitacional possui algumas características peculiares, como prazos mais prolongados e juros mais baixos. Os prazos mais estendidos fazem com que as parcelas sejam mais suavizadas e as famílias possuam mais capacidade de planejamento e pagamento dessas dívidas. Dessa forma, a crescente nos prazos médios nas operações de crédito, proveniente da maior proporção de crédito habitacional, faz com que a inadimplência seja controlada e se reduza, mesmo com uma elevação do endividamento.
Para corroborar essa lógica, fizemos testes de correlação contemporânea e cruzada a fim de verificarmos os sinais e a magnitude da relação contemporânea e defasada da inadimplência de pessoas físicas com os prazos médios das operações de crédito. Além disso, fizemos um teste de causalidade de Granger para verificar se os prazos médios realmente têm uma relação de causalidade com a inadimplência, que foram feitos utilizando 2 defasagens escolhidas através dos critérios de informação.
|
Correlação Cruzada |
Causalidade² |
Período |
Variáveis |
-1 |
0 |
+1 |
P-valor |
F-statistic |
Prob. |
2011,03 – 2015,04 |
Inadimplência
X
Prazo Médio |
-0,755 |
-0,807 |
-0,808 |
0 |
5,8587 |
0,0056 |
²O teste de causalidade aqui referido é: “Prazo das carteiras granger causa a inadimplência de pessoas físicas” e não o contrário.
Como podemos ver, as duas séries possuem correlações significativas e negativas, tanto a contemporânea quanto as defasadas. Além disso, o teste de causalidade de Granger indica que o prazo médio das carteiras realmente tem uma precedência temporal em relação à inadimplência de pessoas físicas. Portanto, com esses testes, podemos dizer que uma elevação nos prazos médios causa redução na inadimplência de pessoas físicas, corroborando nossa hipótese de que a crescente dos créditos habitacionais está contribuindo para a redução da inadimplência.
Outra característica da dívida com crédito habitacional é a taxa de juros mais reduzida proveniente de subsídios governamentais, do papel mais ativo do governo nesse mercado de crédito pós-crise de 2008. Os subsídios governamentais vêm geralmente na forma de recursos direcionados, como no caso do crédito habitacional (por exemplo, do MCMV e da Caixa Econômica), em que os recursos são concedidos exclusivamente para financiamento de imóveis.
Dessa forma, a elevação do papel governamental no mercado de crédito (principalmente no habitacional) está associada a elevação da proporção de recursos direcionados e, por conseguinte, de redução na taxa média de juros. De fato, os números comprovam esse cenário. A proporção de recursos direcionados frente aos recursos livres vem aumentando desde 2008, quando era 32% e 68% respectivamente. Atualmente, a proporção é de 49% e 51%, respectivamente. Já em relação às taxas médias de juros, os recursos livres contam com uma taxa média de 41,77% e os recursos direcionados, 8,71%. Todo esse cenário contribui para a redução da inadimplência.
Assim como com os prazos, fizemos os testes de correlação cruzada e de causalidade no sentido de Granger para as variáveis: inadimplência de pessoas físicas e nível de recursos direcionados. A hipótese nula do teste de correlação é a ausência de correlação. O teste de causalidade foi feito com 2 defasagens escolhidas através dos critérios de informação.
|
Correlação Cruzada |
Causalidade³ |
Período |
Variáveis |
-1 |
0 |
+1 |
P-valor |
F-statistic |
Prob. |
2011,03 – 2015,04 |
Inadimplência
X
Recursos Dir. |
-0,819 |
-0,867 |
-0,859 |
0 |
7,2507 |
0,0019 |
³ O teste de causalidade aqui referido é: “Estoque de recursos direcionados granger causa a inadimplência de pessoas físicas.” e não o contrário.
Novamente, o teste de correlação indica que tanto a correlação contemporânea como a defasada é significativa e negativa, de forma que rejeitamos a hipótese nula de que não há correlação. Além disso, o teste de Granger indica que o estoque de recursos direcionados realmente tem uma precedência temporal em relação a inadimplência. Desse modo, confirmamos a nossa hipótese de que uma elevação do estoque de recursos direcionados causa a redução da inadimplência para pessoas físicas.
Concluindo, a trajetória crescente do endividamento com crédito habitacional vem contribuindo significativamente para a redução da inadimplência vis a vis uma elevação da adimplência e isso se dá a partir das características de composição dessa dívida. Como já foi dito, em um estudo posterior iremos investigar como o mercado de trabalho impacta a inadimplência.
*Graduandos em Economia-UFF.